Entre ser amada e ser autêntica
- Fernanda Lunardi

- 18 de ago.
- 4 min de leitura

Entre ser amada e ser autêntica foi, por muito tempo, a encruzilhada silenciosa da vida de muitas mulheres que chegam até mim. Na meia-idade, quando o autoconhecimento deixa de ser um luxo e vira necessidade, muitas percebem que ainda consideram a opinião alheia antes da própria. Não por vaidade, mas por hábito antigo: agradar os outros como estratégia de segurança.
A aprovação externa sempre soou como garantia de pertencimento, principalmente para quem aprendeu cedo a ler o ambiente, a evitar conflitos e a disfarçar necessidades que “não importam”. Só que a conta chega: o corpo sinaliza, a alma pede clareza, e aquilo que parecia gentileza vira esgotamento. É nesse ponto que a pergunta retorna com força: o que estamos dispostas a perder de nós mesmas para continuarmos sendo queridas?
Eu trabalho com mulheres de meia-idade em processos terapêuticos integrativos e, em muitos relatos, a dependência emocional aparece como a tentativa constante de controlar o que o outro pensa a nosso respeito. Quando a autoestima se apoia quase toda em olhares externos, passamos a medir cada gesto para minimizar riscos de rejeição.
Ajustamos a voz, a roupa, os desejos, e não respeitamos os nossos limites.
Em termos de psicologia analítica, fortalecemos a persona até o ponto em que ela começa a nos representar mais do que de fato somos. Isso cria uma distância cansativa entre a vida vivida e a vida sentida.
Na biossíntese, esse distanciamento também é perceptível no corpo: respiração curta, ombros tensos, garganta trancada na hora de dizer “não”. Autocuidado, aqui, não é um conceito abstrato; é um retorno ao corpo como bússola, um passo a passo de autorregulação para recuperar nossa presença e fazer nossas melhores escolhas.
Muitas dinâmicas de codependência se formam na infância, mesmo em lares amorosos. Quando emoções não foram bem acolhidas, aprendemos a nos adaptar para manter o amor por perto. Colhemos elogios por sermos fáceis, silenciosas, eficientes. Agradar vira identidade e, na vida adulta, parece natural confundir paz com evitar conflito. Só que paz sem autenticidade é calmaria de superfície. O preço é alto: ressentimento, cansaço, sensação de vazio, dificuldades nos relacionamentos e uma autocrítica que não dá trégua.
Há quem chame isso de “ser boazinha”, e eu compreendo, mas prefiro olhar com mais carinho. Não se trata de rótulos; trata-se de reconhecer que essa foi uma estratégia de sobrevivência. Funcionou lá atrás. Agora, talvez esteja apertada demais.
A meia-idade pode ser um portal de individuação, pois é quando o convite à autenticidade fica mais nítido. Não é sobre romper com tudo, mas sobre alinhar vida interna e vida externa. Quando uma mulher começa a se ouvir com mais atenção, percebe que gentileza não é sinônimo de agradar. Enquanto a gentileza nasce do centro e suporta limites saudáveis, o agradar nasce do medo e cobra um preço silencioso. Eu vejo esse movimento acontecer no consultório: a coragem de sustentar um “não” possível abre espaço para “sins” mais verdadeiros. É nesse lugar que a autoestima amadurece, a saúde mental se fortalece e os vínculos ficam mais honestos.
Gosto de orientar um exercício simples de autoconhecimento que une psicologia e corpo. Antes de responder a um pedido, pare alguns segundos. Perceba a respiração. Observe se há expansão ou contração no peito, na garganta e no abdômen quando você imagina dizer “sim” e quando imagina dizer “não”. Esse pequeno rastreio somático ajuda a diferenciar aprovação externa de coerência interna. Não é uma fórmula, é prática. Autenticidade é repetição de pequenos gestos de verdade. E limites claros não significam rigidez; significam clareza do que é possível sem se abandonar.
Também é importante lembrar que nem toda reação do outro fala sobre você. Pessoas chegam com histórias, crenças, inseguranças e humores próprios. Levar menos para o lado pessoal diminui a ansiedade relacional e reduz a necessidade de se explicar o tempo todo. Em termos de saúde emocional, isso é decisivo. Quando o foco sai de controlar a opinião alheia e volta para a própria coerência, surge um espaço novo de liberdade. Isso não nos torna menos amorosas. Pelo contrário: ficamos mais presentes, mais responsáveis pelos nossos afetos e escolhas, e menos reativas. É assim que relações adultas ganham qualidade.
Entre ser amada e ser autêntica, podemos escolher um caminho do meio: vínculos nos quais caibam as duas coisas. Queremos relações em que possamos ser verdadeiras sem precisar performar perfeição. Se isso desagrada algumas expectativas, talvez seja um sinal de que o formato antigo não nos serve mais. A coragem de desagradar, nesse contexto, é a coragem de não se trair. É um gesto de amor-próprio que vai se fortalecendo a cada conversa honesta, a cada limite colocado com respeito, a cada cuidado concreto com o corpo, o descanso, o ritmo, os desejos.
Se você se reconhece, não precisa atravessar tudo sozinha. Terapia é um espaço seguro para desenvolver autocompaixão, revisar crenças, reorganizar padrões de relacionamento e treinar a comunicação de limites com afeto. A psicologia analítica oferece mapas simbólicos; a biossíntese oferece caminhos no corpo; sua história oferece o sentido. Aos poucos, a necessidade de agradar a qualquer custo vai cedendo lugar à confiança de habitar a própria vida com mais verdade.
Sobre Fernanda Lunardi – CRP 06/159430
Formada pelo Mackenzie, é psicóloga e facilitadora do autoconhecimento para mulheres em transições de vida. Seu trabalho une psicologia analítica, biossíntese e acolhimento profundo para ajudar mulheres a se reconectarem com sua essência e atravessarem a meia-idade com autenticidade, corpo e alma.




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