O segundo ato da vida da mulher: menopausa, potência e narrativas que precisamos reescrever
- Fernanda Lunardi

- 28 de jul.
- 3 min de leitura

Neste fim de semana, fui ao teatro assistir à peça Cenas da Menopausa, com Cláudia Raia. Fui com duas amigas queridas, uma médica ginecologista e outra biomédica pesquisadora, e essa experiência virou um campo vivo de reflexões. Não apenas sobre a menopausa em si, mas sobre as narrativas que nos atravessam, silenciam e, por vezes, adoecem.
A atuação da artista é brilhante, e a proposta do espetáculo alcança muitas mulheres pela leveza com que trata os sintomas da menopausa: ondas de calor, insônia, ganho de peso, alterações emocionais. Mas algo me soou dissonante: no compartilhamento final que a artista fez, a menopausa foi chamada, com todas as letras, de "doença". E mais do que isso, foi defendida uma reposição hormonal universal, para todas as mulheres, mesmo sem sintomas.
Na plateia, percebi o desconforto das minhas amigas. A ginecologista me confidenciou: "não é verdade". A reposição hormonal é indicada com critério, para quem realmente precisa, e por tempo determinado. A ideia de que todas devam medicar-se perpetua uma relação de medo e patologização do corpo e da mente feminina, em transição.
Como psicóloga, escuto mulheres que vivem esse momento com angústia. Não apenas pelos sintomas, mas pelo sentimento de perda, pela invisibilidade, pelo medo de não caber mais em lugar algum. E justamente por isso, acredito que precisamos ressignificar esse momento como o segundo ato da vida da mulher: menopausa, potência e narrativas que precisamos reescrever.
E se, ao invés de uma "falência hormonal", enxergássemos esse momento como um "segundo ato", como foi proposto e denominado na própria peça? Isso sim fez sentido para mim — a fase da meia-idade como o início de um novo ciclo, onde a libido, como nos lembra Jung, inverte o fluxo e começa a buscar o Self, a verdade, a essência.
É nessa fase que surgem as grandes viradas. Mulheres que se separam, mudam de carreira, redescobrem paixões, silenciam ruídos externos e ousam ser quem são. É nesse momento que a busca por sentido deixa de ser sentida como um luxo e torna-se uma necessidade vital.
Claro que corpo e mente são indissociáveis. Os sintomas existem e devem ser acolhidos com seriedade, inclusive com acompanhamento médico, não apenas psicológico. Mas também precisamos cuidar da narrativa que contamos a nós mesmas: envelhecer não é uma falha. Menopausa não é uma doença. O corpo que muda não é um corpo que precisa ser corrigido, mas escutado — e recebido com carinho.
Cada mulher atravessa esse segundo ato de um lugar único. Algumas se reconhecem na imagem da mulher que rompe com as pressões de uma carreira que não faz mais sentido e decide levar uma vida mais leve e autoral. Outras querem continuar suas carreiras com mais liberdade interna, colocando seus limites e sendo mais verdadeiras com elas mesmas. Algumas pintam os cabelos, outras assumem os fios brancos. O que importa é que o roteiro, agora, é escrito por você.
Que possamos criar espaços de escuta, onde o compartilhamento não seja tendencioso, mas plural. Onde a mulher possa, ou não, aderir às possibilidades de melhoria estética — sem se ferir tentando se enquadrar em padrões alheios, sem agir por medo de rejeição ou perda de valor social. Onde as vivências sejam respeitadas, e não moldadas às expectativas da indústria da juventude eterna.
Porque sim: é possível viver a menopausa com potência, verdade e beleza. E esse é um dos caminhos mais profundos da reconexão com a alma feminina.
Vamos continuar essa conversa?
Sobre Fernanda Lunardi – CRP 06/159430
Psicóloga formada pelo Mackenzie, com ênfase na Psicologia Analítica (Jung) e com especialização em andamento em Biossíntese (psicoterapia corporal). Atende mulheres em processos de transição, com foco no resgate da essência, integração corpo-mente-espírito e escuta simbólica.




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